«No mundo moderno em que vivemos, pais e filhos partilham a mesma realidade. Muitas vezes isso é bom; as crianças estão mais informadas dos perigos que correm, aprendem desde cedo a lidar com a vida e os seus reveses, e considero que essas experiências de alguma forma os ajudam a adquirir mais e maiores defesas do que as crianças que crescem em redomas perfeitas.
Os desentendimentos fazem parte da vida, bem como as contrariedades, os azares, as ausências daqueles que amamos, as mudanças – desejadas ou não – as desilusões, os conflitos e as rupturas. Para o bem e para o mal. E, apesar de vivermos num equilíbrio instável entre o que revelamos e o que acreditamos que ainda devemos esconder, os nossos filhos estão sempre mais à frente do que nós imaginamos.
Quando o meu filho era mais pequeno, passei por alguns períodos de solidão sentimental que me deixavam triste e desanimada. Como sou de choro fácil – basta-me ligar a televisão e apanhar uma cena dramática a meio de um filme cuja intriga desconheço para ligar imediatamente a torneira sem qualquer pudor – o meu filho viu-me algumas vezes com fios de água pela cara abaixo.
As crianças assustam-se quando vêm os adultos atrapalhados, sobretudo se estes estiverem a chorar porque baseiam a sua segurança na nossa solidez; se somos firmes e sorridentes, a vida deles é muito mais fácil do que se alternamos a euforia com a tristeza. Mas ninguém é de ferro e ninguém consegue estar sempre bem disposto. Há momentos na vida em que, por cansaço, desgaste, raiva ou tristeza, nos sentimos mesmo em baixo e as crianças, que apanham tudo no ar como se fossem equipadas com o mais sofisticado sistema de radar, percebem que o mundo afinal não é um lugar perfeito.
E, perante o facto, só há dois caminhos possíveis; ou disfarçamos a tristeza de forma quase sempre nada convincente, ou assumimos que também somos frágeis, que também temos medos e problemas, que não somos invencíveis. E se o fizermos, somos surpreendidos por eles de uma forma positiva, porque eles são pessoas como nós, apenas em ponto mais pequeno.
Uma das minhas sobrinhas nasceu para ser mãe. Desde pequena que toma conta de todas as outras crianças da família. Com 5 anos era já uma criança com enorme sentido de responsabilidade em relação aos mais pequenos. Quando ouviu a irmã mais velha, na altura com dez anos, dizer que a partir dos 13 já podia ser baby sitter do meu filho, a pequena Leonor disse com um ar evidente: “Eu já sou”. E era mesmo. Ela ajudava-me em tudo com o meu filho: dava-lhe banho, arrumava o armário dele, acalmava-o quando ele fazia birras, contava-lhe histórias e conseguia adormece-lo com grande rapidez e eficiência.
Parece estranho, mas não é. Há crianças assim, que já nasceram crescidas, como se fossem almas sábias que já andaram por cá várias vezes. Outra qualidade extraordinária das crianças é a empatia; elas adivinham o que sentimos de forma instintiva e certeira. Penso que isso tem a ver com o facto de olharem o mundo através dos nossos olhos, o que faz com que gostem das outras pessoas da mesma forma que nós, ou não gostem, se nós não gostarmos. O meu filho aceita os meus amigos como seus aliados e embirra com as pessoas com quem embirro. E quando estou em baixo, por cansaço ou tristeza, ele encontra sempre uma forma de me fazer sentir bem outra vez.
Há alguns anos, num daqueles domingos escuros e vazios, ao ver-me triste perguntou o que podia fazer por mim e eu pedi-lhe: diz-me qualquer coisa para me animares. E ele, sem qualquer hesitação, agarrou a minha cara com as duas mãos e proferiu com ar solene: “Toda a gente diz que a mãe é bonita por fora, mas eu acho que a mãe é ainda mais bonita por dentro”. Naquele momento esqueci toda a tristeza e o meu coração iluminou-se com uma árvore de Natal.
Anos mais tarde, enquanto conversávamos à lareira a seguir ao jantar e eu lhe dizia que gostava de encontrar a minha alma gémea, caiu uma estrela cadente e ele disse: “Mãe, viu aquilo? É a sua alma gémea que está a chegar à terra”. Os seus olhos azul piscina brilhavam como duas estrelas e o seu sorriso, aberto e generoso, embalou-me como uma onda no mar morno das Caraíbas
Os nossos filhos são o nosso maior investimento na vida. Podemos escrever livros, construir pontes, redigir leis, salvar vidas, compor sinfonias, dirigir jornais, ensinar gerações, descobrir vacinas, conquistar o mundo ou torná-lo num lugar melhor, mas os nossos filhos são tudo o que podemos ter de mais precioso e belo. Investir tempo e amor nos nossos filhos é investir tempo e amor em nós próprios e na nossa felicidade.
Ao som das 12 badaladas da última noite do ano de 2007, enquanto erguia uma taça de champanhe e o meu filho outra de sumo de ananás, olhámos para o fogo de artifício que se desenhava sobre o rio e desejámos que as estrelas cadentes que trazem o que mais desejamos nunca deixassem de cair no nosso jardim. Mas ele sabe que ele é a minha maior e mais bela estrela, a que me guia e me ilumina todos os dias, cada vez que acordo e o abraço antes de ir para a escola. E mesmo que o meu jardim receba mais estrelas que chegam de outros lugares, o meu coração vai sempre ser dele e da minha família extraordinária que sempre soube estar presente tanto nos melhores momentos como nos mais difíceis.
Um coração cheio é um coração onde brilham muitas estrelas. E um coração feliz é um coração cheio de sonhos. Sonhos que não caem do céu mas que se realizam todos os dias, com o amor e presença daqueles que mais amamos.»
Uma estrela caiu do céu, by Margarida Rebelo Pinto
quinta-feira, 24 de janeiro de 2008
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